Artículos
Violência conjugal contra a mulher: impactos na produtividade laboral
Violência conjugal contra a mulher: impactos na produtividade laboral
Ehquidad: La Revista Internacional de Políticas de Bienestar y Trabajo Social, núm. 20, pp. 201-220, 2023
Asociación Internacional de Ciencias Sociales y Trabajo Social
Recepción: 06 Junio 2023
Revisado: 12 Junio 2023
Aprobación: 12 Junio 2023
Publicación: 17 Julio 2023
Resumo: A investigação desenvolvida teve como objetivo conhecer os impactos causados pela violência conjugal na produtividade laboral das mulheres, através da experiência dos técnicos superiores de apoio a vítimas de violência doméstica. Recorremos à entrevista semiestruturada junto dos profissionais para a recolha de informação sobre a temática do estudo. Quanto a problemática da violência e empregabilidade, apurou-se que um dos impactos causados pela violência doméstica é, por vezes a dificuldade que a vítima passa a ter para manter o emprego, outras vítimas acabam por ficar desempregadas temporariamente, dependentes dos apoios sociais e com maior vulnerabilidade financeira. Conclui-se que relativamente ao emprego, as agressões infligidas nas vítimas de violência doméstica de forma reiterada produzem impactos na sua capacidade e produtividade laboral. No processo de autonomização, apurou-se que as vítimas acolhidas na casa de abrigo eram de nacionalidade estrangeira e estavam todas desempregadas. Um dos passos que é fundamental para o projeto de autonomia das vítimas é a integração no mercado de trabalho, a vasta experiência dos técnicos na problemática da violência conjugal e o conhecimento da situação da vítima por parte de todos os intervenientes apresenta-se como uma boa resolução para o problema. No apoio Jurídico prestado à vítima, apurou-se que o apoio jurídico é fundamental para a vítima, para além do apoio e acompanhamento jurídico que a vítima tem ao longo do processo de autonomização, desenvolve-se também junto da vítima, um trabalho de empoderamento de forma a manter a vítima bem informada dos seus direitos enquanto cidadã e futura trabalhadora. Relativamente às medidas de combate ao flagelo do crime de violência doméstica, apurou-se que seria uma mais-valia se as escolas criassem um programa de educação para a saúde, com incidência na abordagem da violência doméstica e fosse trabalhado com as crianças, as questões de género para o desenvolvimento da cidadania ativa, com o objetivo de alterar este costume da violência contra a mulher, no qual é considerado crime e atentado contra os direitos humanos.
Palavras-chave: Violência conjugal, Maus-tratos conjugais, Mulheres vítimas; Impacts on professional life.
Abstract: The qualitative research we developed aimed to understand the impacts caused by marital violence on women's labour productivity, through the experience of senior technicians who support victims of domestic violence, who work at the Casa de Abrigo, which belongs to Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. We used semi-structured interviews with the technicians to collect information about the theme in question. As far as the problematic of violence and employability, we found that one of the impacts caused by domestic violence is sometimes the difficulty the victim has to keep her job social support and with greater financial vulnerability. We conclude that the aggressions repeatedly inflicted on victims of domestic violence have an impact on their work capacity and productivity. In the process of autonomy, it was found that the victims in the shelter home were of foreign were of foreign nationality and all of them were unemployed. One of the steps that is fundamental for the project of the victims' autonomy is the integration into the labor market. The problem of marital violence and the knowledge of the victim's situation by all the intervening parties presents itself as a good solution to the problem. In the Legal Support provided to the Victim, it was found that legal support is fundamental for the victim, besides the legal support and accompaniment that the victim. In addition to the legal support and accompaniment that the victim has during the autonomy process, we also develop with the victim a work of empowerment in order to keep the victim well informed of her rights as a citizen and future worker. Regarding the measures to combat the scourge of the crime of domestic violence, it was found that it would be an added value if schools created a program of health education, focusing on the approach to domestic violence and worked with children on gender issues for the development of active citizenship, in order to change this custom of violence against women, which is considered a crime and an attack against human rights.
Keywords: Conjugal violence, Marital maltreatment, Women victims, Impacts on professional life.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo refere-se à dissertação de mestrado em Riscos e Violências nas Sociedades Atuais, apresentada em março de 2022, no Instituto de Serviço Social da Universidade Lusófona de Lisboa.
O estudo pretende contribuir para uma melhor compreensão do fenómeno da violência doméstica exercida contra as mulheres no contexto das relações conjugais e o seu impacto na produtividade laboral. No entanto, prevalece a perspetiva afirmada logo no 1º artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que declara que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Para Lourenço e Carvalho (2001), quando se fala em violência doméstica, é a dignidade do ser humano que é colocada em causa de forma intensa e frequentemente dramática. Por isso, cabe ao Estado, em articulação com as diversas respostas válidas, mas insuficientes, que têm sido levadas a cabo pela sociedade civil, um papel fundamental na sua identificação, prevenção e combate.
A violência doméstica é um crime e um problema social a nível mundial que ocorre sobretudo no ambiente doméstico, cometido pelos elementos do agregado familiar ou por pessoas próximas, com quem se partilha afetos. É um problema que afeta principalmente as mulheres e pode afetar a produtividade laboral da mulher enquanto vítima.
De acordo com Lourenço e Carvalho (2011), o facto de existir e ser constituído o crime de violência doméstica como um crime público permite reconhecer cada vez mais a importância crescente deste problema social. O objetivo geral foi compreender os impactos causados pela violência conjugal na mulher e na sua produtividade laboral.
Os objetivos específicos são: compreender a problemática da violência e empregabilidade, compreender o processo de autonomização, empoderamento e inserção da vítima no mercado de trabalho, conhecer o apoio jurídico prestado à vítima na casa abrigo da Santa Casa da Misericórdia e identificar e compreender os fatores que contribuem para a redução do flagelo da violência doméstica, na perspetiva dos técnicos superiores.
2. CONTEXTUALIZAÇÃO E CONCEITO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
A violência é um fenómeno mundial, sem fronteiras étnicas, culturais ou religiosas, comum em todas as sociedades e classes sociais, que se manifesta em diversas áreas da vida social, entre as quais a família. A violência doméstica é uma das grandes problemáticas da atualidade, traduzida por agressões físicas, psicológicas, sexuais e verbais entre pessoas, podendo estas pertencer a diferentes faixas etárias e orientações sexuais, com laços afetivos em comum, havendo ou não coabitação.
Esta pode abarcar diversas nomenclaturas, sendo que a desenvolvida neste trabalho de investigação é a violência conjugal. Os meios de comunicação social frequentemente relatam notícias acerca da violência doméstica, e este pequeno excerto do Jornal Expresso online intitulado “Violência doméstica” narra o seguinte: “sabemos que existe, mas não como travá-la” retrata bem a temática que decidimos abraçar nesta investigação. A sensibilização da sociedade civil é a grande marca da evolução dos últimos 15 anos do combate à violência doméstica” (Sousa, 2018, p. 14). A violência conjugal contra a mulher assume diferentes tipos de expressão e intensidade, podendo ser infligida de forma isolada ou associados a violência física, violência sexual, ameaças e intimidação; maus-tratos psicológicos, emocionais e verbais, controlo económico e isolamento social.
A preocupação com a assistência e proteção às vítimas é igualmente percetível, não apenas através da menção aos gabinetes de atendimento e informação à vítima nos órgãos de polícia criminal, mas também através da rede nacional de apoio às vítimas de violência doméstica, que compreende o organismo da Administração Pública responsável pela área da cidadania e da igualdade de género, as casas de abrigo, os centros de atendimento e os centros de atendimento especializado do artigo 53º. A Lei-quadro nº. 112/2009, sobre a violência doméstica destaca-se ainda, segundo Pais (2010), pela “natureza urgente dos processos» e pela «utilização de meios eletrónicos para o controlo à distância dos agressores” (Pais, 2010, p. 251).
A definição de violência doméstica é interpretada de diversas formas e manifesta-se em dimensões diferentes. “A violência doméstica contra as mulheres é um problema social de dimensão universal, que ultrapassa as fronteiras culturais, geográficas, raciais étnicas de classe ou religiosas” (Lourenço & Carvalho, 2001, p. 8).
Casimiro argumenta tendo como base um estudo sobre violência contra as mulheres em Portugal de que “a casa é, de todos os espaços, aquela onde ocorre mais violência contra as mulheres” (Casimiro, 2002, p. 604). Paulino y Rodrigues (2016), mencionam que a violência doméstica, na sua vertente da violência conjugal, é sempre oriunda de uma relação entre duas pessoas, onde inicialmente se trocaram juras de amor eterno e de respeito, e que depois, por qualquer razão, esse amor e esse respeito, por fracasso exatamente das relações humanas entre aquelas duas pessoas, deram origem ao ódio e à mais falta de respeito. Alarcão (2000, p. 296), refere que o recurso à força: “constitui-se como um método possível de resolução de conflitos interpessoais procurando o vitimador que a vítima faça o que ele pretende, que concorde com ele ou, pura simplesmente que se anule e lhe reforce a sua posição, sendo que o objetivo final do comportamento violento é submeter o outro mediante o uso de força”.
A violência doméstica contra as mulheres é “considerada universalmente como uma grave violação dos direitos humanos, impossibilitando a mulher de usufruir de liberdades fundamentais e de se realizar enquanto cidadã plena” (Pais, 2010, p. 233). A definição de violência doméstica é interpretada de diversas formas e manifesta-se em dimensões diferentes.
Para Manita e seus colaboradores (2009), a violência doméstica pode ser definida como: Um comportamento violento continuado ou qualquer padrão de controlo coercivo exercido direta ou indiretamente, sobre qualquer pessoa que habite no mesmo agregado familiar (e.g., cônjuge, companheiro/a filho/a, pai, mãe, avô, avó) ou que mesmo não coabitando seja companheiro ou familiar. Este padrão de comportamento violento continuado resulta, a curto ou médio prazo, em danos físicos, sexuais, emocionais, psicológicos, imposição de isolamento social ou privação económica da vítima e visa dominá-la, fazê-la sentir-se subordinada num clima de medo permanente.
3. TIPOLOGIAS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
A violência doméstica pode assumir diferentes tipos de violência, incluindo a física, a psicológica e a sexual. Segundo Moleiro et al., (2016), a violência emocional e psicológica é, frequentemente, descrita pelas vítimas como «terror psicológico». Inclui atos como desprezar, criticar, insultar, humilhar, seja em público (por exemplo, na presença de amigos/as ou familiares) ou em privado, e por palavras ou comportamentos. A violência social e económica consiste em estratégias para isolar a vítima da sua rede social, familiar e comunitária. Inclui comportamentos como: impedir que a vítima visite amigos/as ou familiares; controlar as chamadas telefónicas e as contas; trancar a vítima em casa; ou seguir o/a companheiro/a para o seu local de trabalho ou quando este/a sai de casa sozinho/a. A violência física consiste no uso de força física com o objetivo de causar dano físico e que pode, ou não, resultar em marcas visíveis ou evidentes. Inclui atos como: empurrar, puxar cabelos, estaladas, murros e pontapés, cabeçadas, apertar braços com força, apertar o pescoço, bater com a cabeça da vítima contra a parede ou outras superfícies, queimar com cigarros (Moleiro et al., 2016, pp. 25-29). Para além disso também temos o abuso sexual que inclui todos os atos sexuais realizados contra a vontade do parceiro incluindo a violação.
4. CICLO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E IMPLICAÇÕES NA PRODUTIVIDADE LABORAL DAS VÍTIMAS
É precisamente no “seio familiar que a violência se revela com maior intensidade do que em qualquer outro espaço, agravada pelo facto de, pela sua natureza algo disseminada e pelo secretismo que a envolve, escapar ao conhecimento público” (Lourenço y Carvalho, 2001, p. 97). O ciclo da violência comporta três fases: na primeira fase da acumulação da tensão há pequenos episódios de confronto entre os conjugues que provocam um acumular da ansiedade e da hostilidade. Esta é uma fase de iminente perigo para a mulher que é culpabilizada por tais tensões. Para o agressor qualquer pretexto pode servir para descarregar a sua tensão sobre a mulher vítima. É, também, frequente o “agressor encontrar-se sob o efeito de álcool ou/e drogas que despoleta o aumento das tensões” (Marques, 2009, p. 43). A “tensão costuma a aumentar na relação” (Moleiro et al., 2016, p. 31). As ameaças do/a agressor/a aumentam, e este/a ganha mais controlo. A vítima faz progressivos esforços para agradar e acalmar o/a agressor/a, e começa a perder o controlo da relação.
Na segunda fase do episódio agudo a tensão acumulada dá lugar a explosão da violência de gravidade variável que pode ir desde o empurrão até ao homicídio. O/a agressor/a torna-se imprevisível e ataca o/a companheiro/a podendo a violência ser severa. A vítima sente-se «encurralada» e vitimizada. “Depois do surgimento do conflito o ambiente entra numa espécie de guerra, onde vence o mais forte, o mais animal, o mais bruto, onde a razão perde total efeito e presença, impondo-se apenas a força bruta, onde um, o mais forte, parece ter prazer em ver o outro sofrer” (Paulino e Rodrigues, 2016, p. 18). Segundo a APAV (2010, p. 27), “nesta última fase o agressor envolve a vítima de carinho e atenções, desculpando-se pelas agressões e prometendo mudar (nunca mais voltará a exercer violência.
O estudo pretende dar a conhecer qual o impacto que a violência conjugal tem no mercado de trabalho e as várias dimensões relacionadas à capacidade laboral e produtividade, a capacidade decisória, nível de stress, entre outras. Ser vítima de violência doméstica não está necessariamente associada a uma maior ou menor participação no mercado de trabalho, está sim correlacionado com a capacidade de efetuar um bom ou melhor trabalho (Carvalho e Oliveira, 2016, pp. 3-20).
Ser vítima de violência doméstica se correlaciona negativamente com a produtividade e o salário-hora da mulher, e esse efeito é maior em mulheres negras; ser vítima de violência doméstica está associada a uma maior instabilidade no mercado de trabalho, ou seja, essas vítimas intercalam períodos de curta duração de emprego com períodos de curta/longa duração de desemprego.
Em curto prazo, a violência doméstica afeta principalmente a habilidade e produtividade da vítima no emprego, se manifestando através de episódios de absentismo, atrasos no trabalho, redução momentânea de produtividade e de capacidade colaborativa e perda de emprego (Carvalho e Oliveira, 2016, pp. 3-20). A longo prazo, as consequências se revertem em históricos de mercado de trabalho inconsistentes (dinâmicas individuais oscilando entre períodos de emprego curtos e de desemprego longos). Segundo a OMS, entre as mulheres pesquisadas em Nagpur, Índia, por exemplo, 13% precisaram largar um trabalho remunerado por causa de abuso, faltando uma média de sete dias úteis por incidente, e 11% não conseguiram desempenhar tarefas domésticas por causa de um incidente de violência. Embora a violência de género não afete constantemente a probabilidade geral de uma mulher de conseguir um emprego, parece que ela influência no salário da mulher e na sua capacidade de manter um emprego. Um estudo realizado em Chicago, nos Estados Unidos, concluiu que as mulheres com um historial de violência de género tinham maior probabilidade de passarem por maiores períodos de desemprego, de ter tido grande rotatividade de empregos e de ter sofrido mais problemas físicos e mentais que poderiam afetar seu desempenho no trabalho (OMS, 2002, pp. 91-122).
Sousa (2018) refere que, as vítimas de violência doméstica muitas vezes sofrem lesões físicas ou psíquicas, que impossibilitam a prestação da atividade laboral. Porem perante a legislação laboral e segundo o artigo 248.º, n.º 1, do Código de Trabalho classifica as faltas como “a ausência de trabalhador do local em que devia desempenhar a atividade durante o período normal de trabalho diário”, por vezes essas faltas são dadas e depois as pessoas punidas pela entidade patronal porque não apresentam justificação plausível e muitas vezes não dizem a verdade por vergonha.
No entanto o artigo 43.º da LVD diz-nos que “as faltas dadas pela vítima que sejam motivadas por impossibilidade de prestar trabalho em razão da prática do crime de violência doméstica são, de acordo com o regime legal aplicável, consideradas justificadas”, logo, deve entender-se que estão mencionadas no artigo 249.º, n.º 2, alínea j). Infelizmente, e segundo o código de trabalho a não comparência ao local de trabalho superior a 30 dias por ano devido a impossibilidade física, ou seja, quando o trabalhador não reunir as condições necessárias e essenciais para a execução da atividade, por motivos de saúde. Todavia, ao justificar-se as faltas nos termos das alíneas d) do n.º 2, do artigo 249.º do CT, estas implicam perda de retribuição desde que o trabalhador beneficie de um regime de segurança social de proteção de doença (artigo 255.º, n.º 2, alínea a) do CT. (Sousa, 2018, pp. 69-71).
5. O PAPEL DO ASSISTENTE SOCIAL NO APOIO A VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Segundo a Federação Internacional dos Assistentes Sociais (1976), a prática profissional do assistente social consiste no trabalho centrado no bem-estar e satisfação das necessidades humanas e aspirações individuais, coletivas, nacionais e internacionais e a realização da justiça social. Segundo McDonough (1990, p. 102), a profissão de assistente social “tem de assumir completamente os valores da justiça social e autodeterminação, isto é, tem de agir na sua implementação”.
Para a Federação Internacional dos Assistentes Sociais, o Serviço Social (1976), é uma profissão cujo objetivo consiste em provocar mudanças sociais, tanto na sociedade em geral como nas suas formas individuais de desenvolvimento, de forma a salvaguardar o bem-estar da pessoa. Para Guadalupe (2016), “o assistente social é visto como como um ator social co-construtor da mudança. Segundo o mesmo autor, por vezes o assistente social tem que sair da sua zona de conforto de forma a dar resposta a situações complicadas”. Esta co-construção implica um processo menos organizado que segue um modelo menos rígido, assente na não-directividade, no qual a relação interventor/utente se entende como mais horizontal Guadalupe (2016, p. 40). Segundo Carvalho (2014, p. 232), “cabe ao assistente social intervir nos problemas sociais, nas situações de pobreza e de exclusão social, tendo presente os direitos humanos e de cidadania dos indivíduos e das famílias imigrantes, ou mesmo que não o sejam, mas que precisem de intervenção social”. O assistente social assume o papel de grande importância e relevância na integração e intervenção com a população em situação de risco e vulnerabilidade a nível social. Segundo Manita et al., (2009, p. 43), “as instituições desempenham um trabalho fundamental que envolve uma equipa multidisciplinar para dar resposta as necessidades da vítima aos mais variados níveis: legal, judicial, social, médico psicológico”.
Segundo Carvalho, “o desafio colocado ao Serviço Social é sobretudo o trabalho em rede, a criação de novas formas de intervenção, a introdução de novas práticas e saberes, através de metodologias ativas e impulsionadoras da resolução dos problemas sociais” (Carvalho, 2014, pp. 227-228). No apoio à vítima de violência conjugal, por exemplo, o papel do assistente social na casa abrigo é muito importante no sentido de ter que acompanhar a vítima, em todas diligências necessárias, tratar do rendimento social de inserção, tratar do abono, se houver crianças, tem que tratar dos assuntos relacionados com transferências de um agrupamento escolar para outro, reagendar consultas das crianças no centro de saúde do concelho onde residem temporariamente. É uma função muito ativa que implica muita experiência e proatividade para ter conhecimento dos recursos que existem na comunidade envolvente de forma a dar respostas adequadas as necessidades das vítimas. No âmbito da violência doméstica, a prática profissional do assistente social passa pela dimensão interventiva na violência doméstica quer em espaços e instituições direcionadas, mas igualmente noutras situações onde a violência doméstica não assume a centralidade da intervenção.
6. MÉTODO
Neste trabalho de investigação recorreu-se à metodologia qualitativa, que nos pareceu mais adequada isto porque, “a mesma tem vindo a ser, progressivamente, cada vez mais utilizada pelos investigadores, no âmbito das ciências sociais e humanas” (Fernandes & Maia, 2001, p. 49). Deste modo, optou-se pela pesquisa qualitativa para enquadramento e compreensão da pesquisa, tendo em consideração que não se trata de quantificar as questões e fatos, porém ter elementos que permitam a sua análise e se consiga extrair e apropriar melhores resultados, com vista a adquirir dinâmicas para salvaguardar situações idênticas.
O objetivo da metodologia utilizada no nosso trabalho é de desenvolver conhecimento de forma ampla acerca do estudo, descrever e interpretar, mais do que avaliar. Para Freixo (2018), esta forma de desenvolver o conhecimento demonstra a importância primordial da compreensão do investigador e dos participantes no processo de investigação.
Inicialmente, a população do estudo para recolha de dados seriam as mulheres vítimas de crime de violência doméstica, que sofreram agressões entre 2018 e 2020 em relacionamento conjugal e acolhidas na Casa de Abrigo da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
Devido às limitações temporais da pesquisa de investigação por causa da pandemia decidiu-se obter a recolha de dados por entrevista nos cinco elementos da equipa técnica que desempenham funções na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Tendo em conta a natureza e os objetivos do nosso estudo, recorremos à entrevista semiestruturada para a recolha de informação junto dos técnicos de apoio às vítimas.
Verificou-se importante a realização de entrevistas, a cada técnico/a no sentido de que a partir suas falas e perspetivas, foi possível obter informação que nos permitiu alcançar o objetivo do estudo. Na reflexão de Bogdan & Biklen (1994, p. 34), a entrevista é utilizada para “obtenção de dados descritivos na linguagem do próprio sujeito, permitindo ao investigador desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a maneira como os sujeitos interpretam aspetos do mundo”. A entrevista, enquanto “método de recolha de informações no sentido mais rico da expressão (..) adequa-se particularmente à análise do sentido que os atores dão às suas práticas e aos acontecimentos com os quais são confrontados” (Quivy & Campenhoudt, 1998, pp. 191-192).
Para a realização da entrevista foi elaborado um guião onde delineámos os objetivos do mesmo. O guião serviu-nos de apoio enquanto entrevistadora e permitiu que a entrevista decorresse com alguma flexibilidade, respeitando a autonomia das pessoas entrevistadas, o seu ritmo e organização discursiva.
O referido guião com o tema “Violência Conjugal e a Produtividade Laboral das Mulheres, composto por cinco blocos, que passamos a apresentar: Bloco A, Legitimação da entrevista e motivação das entrevistadas, neste primeiro bloco, pretendíamos legitimar a entrevista e motivar as entrevistadas, informando-os sobre o trabalho em curso e seus principais objetivos, bem como solicitar a sua colaboração, garantindo-lhe o anonimato e a confidencialidade das informações. No Bloco B, experiência profissional, possibilitou-nos recolher alguns elementos que permitissem caracterizar os entrevistados em termos socioprofissionais.
No Bloco C, perfil da Instituição, serviu-nos para caraterizar o centro de acolhimento de apoio a vítima de crime de violência doméstica. O Bloco D, é dedicado a Problemática da violência e empregabilidade, neste bloco apresentamos as questões para responder o objetivo geral e os objetivos específicos do estudo.
7. ANÁLISE DOS DADOS
Após a realização das entrevistas, procedeu-se à redação dos respetivos protocolos, com a passagem a escrito, na íntegra, dos registos áudio obtidos.
De seguida, recorremos à técnica de análise de conteúdo para o tratamento dos dados recolhidos, que seguiu as seguintes fases:
1.º momento: primeiro tratamento das entrevistas, onde foram selecionados os aspetos pertinentes e relevantes do discurso, sendo eliminadas as questões e as passagens dos discursos que não iam ao encontro do pretendido.
2.º momento: pré-categorização da entrevista conjunta, na qual foram identificadas as diferentes unidades de sentido que compunham o corpus da informação, de forma a facilitar a interpretação dos mesmos. As técnicas de recolha de dados constituem meios técnicos que se utilizam para registar as observações ou facilitar o desenvolvimento do trabalho de investigação.
8. RESULTADOS
8.1. Autonomização e Inserção da Vítima no Mercado de Trabalho
O processo de autonomização da vítima de violência doméstica passa essencialmente pela definição de um novo projeto de vida da mulher e dos filhos menores que residem na casa de abrigo para mulheres vítimas de violência doméstica.
Os técnicos trabalham respeitosamente com as vítimas, analisam as competências pessoais, profissionais e sociais, de forma a evitar possíveis situações de exclusão social. Durante o processo de autonomização, os técnicos pretendem corresponder às expetativas, levando em consideração o percurso profissional de cada uma. É urgente dar a conhecer e divulgar campanhas de sensibilização contra a violência doméstica, através de panfletos informativos em português e inglês, para distribuição a nível nacional, principalmente nas comunidades com grande diversidade cultural. É fundamental conscientizar a sociedade de que é necessário divulgar esses crimes cometidos contra as mulheres e exigir que as instituições públicas e privadas desempenhem seu papel no combate a esse grave problema social, a fim de permitir que a vítima trabalhadora possa dar continuidade à sua trajetória profissional. Verificou-se também que as vítimas atualmente acolhidas na casa abrigo estão todas desempregadas devido ao impacto causado pela violência doméstica e são de nacionalidade estrangeira.
Em relação à intervenção social com vítimas de violência doméstica, conclui-se que a vasta experiência dos profissionais no âmbito da violência conjugal e o conhecimento da situação da vítima por parte de todos os envolvidos constituem uma boa solução para o problema. Todos trabalham em equipe, estabelecem diversas parcerias e oferecem acompanhamento a fim de atender adequadamente às necessidades das vítimas, permitindo que elas possam recomeçar um novo projeto de vida.
8.2. Apoio Jurídico prestado à Vítima
Apurou-se que o apoio jurídico é fundamental para a vítima, para além do apoio, o acompanhamento jurídico que a vítima tem ao longo do processo de autonomização, desenvolve-se também junto da mesma um trabalho de empoderamento de forma a manter a vítima bem coesa dos seus direitos enquanto cidadã e futura trabalhadora. Conclui-se que que existem medidas que deveriam mudar, uma das quais a relação dos agressores que têm filhos, a jurisdição de família e menores que demora para dar andamento no processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais nos casos urgentes, como por exemplo, no caso em que os pais do menor são agressores e vítimas de crime de violência doméstica.
8.3. Medidas de Combate ao Flagelo do Crime de Violência Doméstica
Relativamente às medidas de combate ao flagelo do crime de violência doméstica, apurou-se que seria uma mais-valia se as escolas criassem um programa de educação para a saúde, com incidência na abordagem da violência doméstica e fosse trabalhado com as crianças, as questões de género para o desenvolvimento da cidadania ativa, com o objetivo de alterar este costume da violência contra a mulher, no qual é considerado crime e atentado contra os direitos humanos.
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estamos conscientes das limitações deste estudo e de suas implicações, como o número reduzido da amostra, a falta de acesso completo aos dados de caracterização das vítimas e a falta de acesso à análise documental. Inicialmente, estava prevista a realização de entrevistas com as mulheres vítimas de violência doméstica para a coleta de informações. No entanto, devido à pandemia e às medidas adotadas para conter a propagação da COVID-19 em quase toda a Europa, houve um confinamento geral em Portugal. Essas medidas afetaram significativamente o acesso à amostra.
Dado o estado de emergência causado pela pandemia, que é considerado um dos maiores problemas atuais de saúde pública, optamos por coletar dados junto aos técnicos superiores de apoio a vítimas de violência doméstica da casa abrigo. É importante ressaltar que o foco principal desta pesquisa é a violência doméstica praticada por cônjuges, ex-cônjuges, parceiros, ex-parceiros ou namorados, e sua relação com a produtividade das mulheres no trabalho.
Quanto à relação entre violência e empregabilidade, observou-se que as agressões repetidas contra as vítimas de violência doméstica têm um impacto na produtividade no trabalho. A maioria das vítimas que são institucionalizadas chega desempregada devido ao impacto causado pela violência conjugal.
É importante ressaltar que o problema da violência doméstica contra as mulheres não pode ser resolvido de um dia para o outro, pois está enraizado na cultura e tem inúmeras consequências dramáticas e duradouras na vida das mulheres. Isso afeta sua autonomia, capacidade de tomada de decisão, saúde física e mental, entre outros aspetos.
Durante este estudo, foi observada uma mudança evidente na rotina das vítimas quando são acolhidas em casas abrigo. O estado emocional da vítima também afeta sua autoestima, confiança e perceção de si mesma, devido ao sofrimento causado pelas agressões. Todas essas mudanças acabam comprometendo a rotina da mulher no trabalho, especialmente quando é necessário acompanhamento médico, processos de divórcio e regulamentação das responsabilidades parentais para recomeçar a vida. Isso resulta em implicações socioeconômicas e afeta a participação da mulher no trabalho, aumentando sua vulnerabilidade econômica e levando ao absenteísmo laboral.
Quanto à autonomização e inserção da vítima no mercado de trabalho, é importante destacar que, embora a violência doméstica afete todas as camadas sociais, as mulheres que procuram abrigo são principalmente aquelas em situação de desvantagem social, com deficiências de habilidades decorrentes da violência e, às vezes, da perda de emprego. Diante dessa realidade, é realizado um trabalho de empoderamento com as vítimas para suprir suas necessidades básicas de acolhimento, alimentação e saúde.
10. BIBLIOGRAFIA
Afonso, N. (2005). Investigação naturalista em educação. Um guia prático e crítico. Asa Editores.
Alarcão, M. (2000). (Des) equilíbrios familiares: Uma visão sistémica. 1ª Edição. Quarteto Editora.
Associação Portuguesa de Apoio à Vítima. (2010). Manual Alcipe para o atendimento de mulheres vítimas de violência.
Associação Portuguesa de Apoio à Vítima. (2016). Manual da equipa multidisciplinar de apoio à vítima de violência doméstica e de género. Atendimento e encaminhamento de vítimas de violência doméstica e de género: procedimentos e roteiro de recurso. https://apav.pt/publiproj/ images/yootheme/PDF/Manual_EMAV.pdf.
Armenta, M. (2007). Violência de género: guia assistencial. EOS Editorial.
Bogdan, R. y Biklen, S. (1994). Investigação qualitativa em educação. Porto Editora.
Branco, F. (2008). Ação social, individuação e cidadania: A construção do acompanhamento social no contexto do estado social ativo. Revista cidades, comunidades e territórios. Instituto Universitário de Lisboa.
Caridade, S. y Machado, C. (2013). Violence in Juvenile Dating Relationships: An overview of theory, research and practice. Psicologia online. (Vol.27, pp. 91-113)
Carvalho, J. y Oliveira, V. (2016). Violênciadoméstica e seu impacto no mercado de trabalho e na produtividade das mulheres. Relatório executivo II.https://www.institutomariadapenha.org.br/assets/downloads/relatorio _II.pdf
Carvalho, M. I., y Pinto, C. (2014). Serviço social. Teorias e práticas. Edição Pactor. Casimiro, C. (2002). Representações sociais da violência doméstica. Análise social. (Vol. XXXVII, pp. 603-630). Imprensa de Ciências Sociais.
Casimiro, C. (2008). Violências na conjugalidade: A questão da simetria de género. Análise social, (Vol. XLIII, pp. 579-601). Imprensa de Ciências Sociais.
Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género. (2009). Violência doméstica: Compreender Para Intervir. Coleção Violência de Género.
Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género. (2009). Violência doméstica: Encaminhamento para Casa de Abrigo. Lisboa: Coleção violência de género.
Coutinho, M. y Sani, A. I. (Coord.) (2011). Casas de Abrigo para mulheres e crianças vítimas de violência doméstica. Temas de vitimologia: Realidades emergentes na vitimação e respostas sociais. Almedina.
Dias, I. (2004). Violência na família: uma abordagem sociológica. Edições Afrontamento.
Dias, I. (2018). Violência doméstica e de género: uma abordagem multidisciplinar. Pactor Edição
Fernandes, E., y Maia, A. (2001). Métodos e técnicas de avaliação: contributos para prática e investigação. Universidade do Minho. Centro de Estudos em Educação e Psicologia.
Freixo, M. (2018). Metodologia científica: fundamentos métodos e técnicas. 5ª Edição. Edições Piaget.
Guardiola, I., Lasagabaster, J., y Mondragón, L. M. (2001). Temáriopara la preparación oposiciones de trabajador social. Editorial Mad.
Guadalupe, S. (2016). Intervençãoem rede: serviço social, sistémica e redes de suporte social. Imprensa da Universidade de Coimbra.
Guerra, I. (2006). Pesquisa qualitativa e análise de conteúdo: Sentidos e formas de uso. Princípia.
Cortez. Kelly, L. (2008). Combating violence against women: minimum standards for support services. Council of Europe.
Lourenço, N., y Carvalho, M. (2001). Violência doméstica: Conceito e âmbito. Tipos e espaços de violência. Revista da Faculdade de Direito. Universidade Nova de Lisboa. Magalhães, M. (1998). Movimento feminista de educação: Portugal, décadas de 70 e 80. Celta Editora.
Magalhães, M. (2007). Gostar de mim, gostar de ti, aprender a prevenir a violência de género. UMAR.
Maia, L. (2012). Violência doméstica e crimes sexuais: Um guia para as vítimas, familiares e amigos. Lidel e Pactor Edições.
Manita, C., Ribeiro, C., y Peixoto, C. (2009). Violência doméstica: Compreender para intervir. Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género.
Manita, C., Ribeiro, C., y Peixoto, C. (2009). Violência doméstica: Compreender para intervir: Guia de boas práticas para profissionais de saúde. Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género.
Marques, A. (2009). A violência doméstica: A intervenção dos técnicos de acompanhamento na construção de projetos de vida alternativos. Um estudo de caso. Dissertação de Mestrado. Universidade Portucalense Infante D. Henrique.
Marques, D. (2018). O papel do serviço social em contexto de Casa de Abrigo para mulheres e crianças vítimas de violência doméstica. Dissertação de Mestrado em Serviço Social. Instituto Universitário de Lisboa.
Meireles, M. (2012). A Integração em Casa Abrigo como forma de reorganização do projeto de vida. Tese de Licenciatura. Universidade Fernando Pessoa.
Ministério de Solidariedade, Emprego e Segurança Social. (2014). Carta social: Rede de serviços e equipamentos. http://www.cartasocial.pt.
Moleiro, C., Pinto, N., Oliveira, J. M. y Santos, M. H. (2016). Violênciadoméstica: boas práticas no apoio a vítimas LGBT: Guia de boas práticas para profissionais de estruturas de apoio a vítima.
Moreira, C. D. (2007). Teorias e práticas de investigação. Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa. ISCSP.
Pais, E. (2010). Homicídio conjugal em Portugal: Ruturas violentas da conjugalidade.Revista Aumentada. Pais, M. (2002). Sociologia da vida quotidiana. Validação dos Resultados. Autêntica.
Paulino, M., y Rodrigues, M. (2016). Violência doméstica-identificar avaliar intervir. Editora Prime Books.
Quaresma, C. (2012). A Violência doméstica: da participação da ocorrência à investigação criminal. Cadernos da Administração Interna.
Quivy, R., y Champenhoudt, L. (1998). Manual de investigação em ciências sociais. Gradiva.
Sousa, C. (2018). A Violência doméstica e as implicações sócio laborais. Dissertação de Mestrado em Ciências Económicas e Empresariais. Universidade dos Açores.