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Musulmanes en Odivelas. Dinámicas y Comunidad (es)

Muslims in Odivelas. Dynamics and Community

Muçulmanos em Odivelas. Dinâmicas e Comunidade(s)

Paulo Mendes Pinto
Universidade Lusófona de Lisboa, Portugal
Hélia Bracons
Universidade Lusófona de Lisboa, Portugal
Natasha Martins
Universidade Lusófona de Lisboa, Portugal
Daniel Mineiro
Universidade Lusófona de Lisboa, Portugal
Joaquim Franco
Universidade Lusófona de Lisboa, Portugal
Jorge Botelho Moniz
Universidade Lusófona de Lisboa, Portugal
Marcos Bazmandegan
Universidade Lusófona de Lisboa, Portugal
Fernando Campos
Universidade Lusófona de Lisboa, Portugal

Musulmanes en Odivelas. Dinámicas y Comunidad (es)

Ehquidad: La Revista Internacional de Políticas de Bienestar y Trabajo Social, núm. 19, pp. 205-220, 2023

Asociación Internacional de Ciencias Sociales y Trabajo Social

Recepción: 17 Mayo 2022

Revisado: 21 Noviembre 2022

Aprobación: 25 Noviembre 2022

Publicación: 15 Enero 2023

Resumen: Este estudio es el resultado del Proyecto Carta de las Religiones de Odivelas, elaborado por el área de Ciencias de las Religiones de la Universidade Lusófona y realizado en el ámbito del Plan Municipal para la Integración de los Migrantes (PMIM). Esta es la primera cartografía religiosa realizada en territorio portugués, cuyos datos recopilados profundizan cuestiones relacionadas con las prácticas religiosas, las dinámicas sociales y las experiencias de grupos que, en su mayoría, están compuestos por inmigrantes. La región utilizada como objeto de estudio se destaca como una de las áreas con mayor riqueza multicultural y religiosa en el distrito de Lisboa, Portugal.

Palabras clave: Musulmanes, Mezquitas, Inmigrantes, Islam.

Resumo: O presente estudo é fruto do Projeto Carta das Religiões de Odivelas, elaborado pela área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona e realizado no âmbito do Plano Municipal de Integração dos Migrantes (PMIM). Esta é a primeira cartografia religiosa realizada em território português, tendo os dados recolhidos aprofundado questões relacionadas com práticas religiosas, dinâmicas sociais e vivências dos grupos que, na sua maioria, são compostas por imigrantes. A região utilizada como objeto de estudo destaca-se como sendo uma das áreas de maior riqueza multicultural e religiosa do distrito de Lisboa, Portugal.

Palavras-chave: Muçulmanos, Mesquitas, Imigrantes, Islamismo.

Abstract: The present study is the result of the Project Charter of Religions Odivelas, developed by the Department of Science of Religions of Lusófona University and carried out in the framework of the Municipal Plan for the Integration of Migrants (PMIM). This is the first religious cartography in Portuguese territory. The collected data deepened questions related to religious practices, social dynamics, and experiences of groups that, by and large, are constituted by immigrants. The region chosen as the object of study stands out as being one of the areas of greatest multicultural and religious richness in Lisbon District, Portugal.

Keywords: Muslims, Mosques, Immigrants, Islamism.

1. ENQUADRAMENTO

Como aponta Abdoolkarim Vakil (2003, p. 9), o crescimento do número de muçulmanos em Portugal foi gradual. Segundo, os dados das próprias comunidades: em 1974, logo após a transição democrática, este grupo era composto por cerca de 500 membros; em 1978, eram aproximadamente 5.000, fruto do processo de descolonização, ascendendo logo a cerca de 10.000 dois anos depois; em 1982, 15.000; e, nos inícios dos anos 2000, 25.000 e 30.000.

Os dados dos Censos, em virtude da resposta sobre religião não ser obrigatória, e de algum receio que os imigrantes, alguns ilegais, teriam de se apresentar oficialmente, são significativamente mais baixos: nos Censos de 2011, auto-identificavam-se como muçulmanos apenas 20.640 indivíduos.

Hoje, a totalidade de muçulmanos em Portugal, segundo o World Population Review, deve ascender a cerca de 65.000 (0,4% da população residente) (ONU, s.d.), apesar de no Censos de 2021 apenas se darem como muçulmanos 36.480 pessoas, talvez fruto, não só de a questão sobre religião não ser obrigatória, mas por causa dos fluxos migratórios ilegais. No inquérito de 2018 editado por Alfredo Teixeira, para toda a região metropolitana de Lisboa, a origem dos muçulmanos estava repartida em 66,7% de África e 33,3% da Ásia (Teixeira et al., 2018) Isso demonstra o seu crescimento, essencialmente pela via de um mecanismo não natural, ou seja, pela vinda de indivíduos de outros países.

Os principais contingentes podem ser analisados à luz das suas origens nacionais e organizaram-se em vários momentos:

“[…] Os primeiros muçulmanos a chegar ao nosso país eram estudantes universitários vindos de Moçambique, da comunidade de origem indiana. Algum tempo depois, e já com o processo de descolonização em marcha, foram-se juntando outras importantes parcelas de muçulmanos oriundos, em particular, de Moçambique e da Guiné-Bissau.

Segundo o Sheikh Zabir Edriss, Presidente do Centro Cultural das Colinas do Cruzeiro [Odivelas], profundo conhecedor da realidade portuguesa, a partir dos anos 90 do século passado, a maioria dos imigrantes que chega a Portugal vem directamente do continente asiático – Paquistão, Bangladesh e Índia.

São, sobretudo, do sexo masculino, em busca de trabalho, por conta de outrem ou investindo em pequenos negócios. Vivem agrupados em alojamentos. Aqui instalados, procuram obter a documentação que legalize a sua presença em Portugal para poderem, mais tarde, viajar dentro do espaço Schengen, já na companhia da família, para outros destinos, em particular para Inglaterra, Espanha (sobretudo, Catalunha) e França, onde podem encontrar compatriotas seus e melhores condições de vida. Outro grupo de cidadãos, estes do Bangladesh, beneficiando de mais apoio comunitário, dedicam-se à restauração.” (Henriques, 2021).

No que respeita às questões relativas à identidade, devem ser equacionadas, tanto na sua relação com os fluxos migratórios e as nacionalidades de origem, como na relação com as comunidades muçulmanas dos municípios envolventes. Como indicado no inquérito de 2018, referente à região metropolitana de Lisboa, 80% dos muçulmanos desta vasta geografia residiam na zona norte do Tejo e apenas 10% no concelho de Lisboa e outros tantos na zona sul. É na “Cintura de Diversidade Religiosa” da zona norte de Lisboa (Sintra, Amadora, Odivelas e Loures) que se concentra grande parte da população muçulmana de Portugal (Teixeira et al., 2018). Dentro desta “Cintura”, a organização das comunidades acontece em grande medida através da reprodução de identidades nacionais de origem, havendo comunidades claramente marcadas por essas geografias e pelos seus fluxos migratórios.

Em termos de integração, seguindo o relatório do Migrant Integration Policy Index 2020, relativo a 2019, Portugal encontrava-se no top 10, com uma taxa de integração de imigrantes muito boa, sendo ultrapassado, entre os 52 países analisados, somente pela Finlândia e pela Suécia.

2. METODOLOGIA

O projeto cartográfico intitulado Carta das Religiões de Odivelas usou, na sua análise de dados, padrões quantitativos e qualitativos sobre os espaços religiosos da região de Odivelas. Entre as questões abordadas utilizadas para composição do presente artigo destacam-se os valores relacionados à formação, disposição e relações sociais de cada uma das comunidades religiosas islâmicas, as quais serão mais bem explicadas na secção seguinte. Para agregar valor ao tema, foi realizada uma entrevista com um dos líderes muçulmanos de maior relevância local e, por fim, consultadas publicações académicas pertinentes para o objeto de estudo. Salienta-se, também, que em todas as etapas foram respeitadas todas as diretrizes estipuladas pelo conselho de ética da Universidade Lusófona – Centro Universitário de Lisboa e contou com o total apoio da Autarquia de Odivelas.

3. A(S) COMUNIDADE(S) DE ODIVELAS

Segundo os Censos de 2011, em Odivelas residiam 1.769 muçulmanos (valor que corresponde a 12,45% dos muçulmanos residentes na área metropolitana de Lisboa). Entre os dezoito municípios que fazem parte desta região, apenas Lisboa, Sintra e Amadora apresentavam valores mais elevados (3.091, 2.889 e 1.811, respectivamente). Ainda segundo os dados de 2011, no concelho de Odivelas, a presença de muçulmanos era muito elevada (63,8%) na freguesia.

Estes valores, que em proporção numérica se devem ter mantido significativamente semelhantes aos dos Censos de 2021, de que ainda se aguardam resultados, implicam uma distribuição geográfica e urbanística que se percebe na localização das quatro mesquitas de Odivelas. Das quatro mesquitas localizadas no concelho, três situam-se na freguesia de Odivelas (Aisha Siddika, Centro Cultural Colinas do Cruzeiro e Darul Uloom).

Contudo, pode-se extrapolar, com base nos dados anteriores que, entre 2011 e 2021, entre os dois censos, o número de muçulmanos a residir em Odivelas tenha aumentado significativamente. Se aplicada a proporção entre o total de muçulmanos a nível nacional e em Odivelas que encontramos nos Censos de 2011 e a aplicarmos à projeção de cerca de 65.000 muçulmanos que residirão hoje em Portugal, então teremos um valor para Odivelas entre os 5.500 e os 6.000 muçulmanos, contando já com imigrantes legais.

4. OS PRIMEIROS ESPAÇOS RELIGIOSOS

As comunidades islâmicas, um pouco em torno dos principais centros urbanos, foram-se organizando como reflexo do crescimento informal das comunidades migrantes, procurando criar condições para o culto. A construção de um espaço religioso assume um peso central na definição de uma identidade:

“Onde os números de crentes justificam e os recursos permitem uma base mais permanente, estabelecem-se as mesquitas propriamente ditas (a Mesquita Maior de Lisboa, e as do Laranjeiro, Odivelas, Coimbra e Porto), com um imam próprio, onde se podem fazer as cinco orações canónicas diárias e não já só a de Sexta-feira” (Vakil, 2005, p. 5).

Segundo Imran Mhomed,

“A primeira mesquita [em Portugal] foi construída em 1982 no Laranjeiro (Comunidade Islâmica do Sul do Tejo), seguida, um ano depois, pela pequena mas impressionante mesquita Aisha Siddika, em Odivelas. Geralmente, as reações de curiosidade de ocasionais não muçulmanos, habitantes das zonas junto aos locais de culto, são bastantes descontraídas” (Mhomed, 2006, p. 17).

O caminho da comunidade de Odivelas foi no sentido de, a par de outros locais, como em Lisboa, nos cemitérios do Alto de S. João e Lumiar, Laranjeiro e Vale de Flor, no Alentejo, se terem definido talhões próprios nos cemitérios para poderem ser cumpridos os rituais relativos ao enterramento.

5. DINÂMICAS DE RUPTURA E CONTINUIDADE: AS QUATRO MESQUITAS

Em termos de organização religiosa e influências, tomemos em atenção a análise de Vakil:

“[…] O que está em causa é um conflito entre as formas de religiosidade popular e o puritanismo escrituralista […] que os leva a ver estas práticas como sincretismos e, teologicamente, como inovações interditas. […] Estes conflitos já têm levado ao desdobramento de lugares de culto em separação das duas comunidades numa mesma localidade (como por exemplo, em Odivelas), e assumiu vertente institucional com a criação dos respectivos colégios internos e centros de cultura islâmica. O tabligh jamaat representa, por um lado, e incontestavelmente, a força de maior dinamização do Islão entre os muçulmanos em Portugal. Por outro, o seu rigoroso tradicionalismo, traduzido na prescrição do próprio vestuário, na estrita separação entre os sexos, numa atitude de distanciamento em relação à sociedade exterior, representa, como já referi, um factor de ruptura na tendência histórica para a integração na atitude dos muçulmanos em Portugal” (Vakil, 2004, p. 308).

Centremos, agora, o nosso olhar na análise das quatro mesquitas de Odivelas. A Mesquita Aisha Siddika, também conhecida como a mesquita central da região de Odivelas, é um lugar bastante amplo e bem equipado, com cerca de 270m². Localiza-se na Avenida Professor Doutor Augusto Abreu Lopes, número 58, numa zona residencial.

A construção é dos anos 80 do século passado, tendo sido, anteriormente, um conjunto de três lojas que foram adquiridas pela comunidade e transformadas no que hoje é a mesquita. Apesar de algumas partes estarem em reforma, tem boas instalações e espaços separados para orações de homens e mulheres.

Segundo o responsável pelo espaço, Mohamed Tayob, há cerca de 250 membros regulares e a lotação máxima do local corresponde a aproximadamente 150 pessoas. A comunidade realiza atividades culturais e religiosas para divulgação do islamismo, conta com o apoio de aproximadamente 100 voluntários e, em alguns casos, do Centro Cultural das Colinas do Cruzeiro. Promovem estudos de textos islâmicos e entregas de artigos de necessidade básica mensalmente para os membros carenciados.

Apesar de ser a mais visitada entre as quatro mesquitas do município, não possui uma rede digital para comunicação com a comunidade. A página da internet apresenta apenas os horários das orações. Atualmente, as nacionalidades em maior número entre os membros são: paquistanesa, bangladeshiana, indiana, portuguesa e guineense.

Por seu turno, a mesquita Masjid Muhammad, é um pequeno espaço com cerca de 50m2, localizado na região da Póvoa de Santo Adrião, na rua Alves Redol, número 12. Bastante discreto, no segundo andar de um supermercado. Não possui espaço para a realização das orações das mulheres, sendo, portanto, um local de culto exclusivo de homens.

A criação da mesquita reflete a história do município, pois ela foi fruto de uma doação do antigo proprietário do mercado, localizada no primeiro andar do prédio, por ter um alto número de funcionários muçulmanos. O espaço que servia antes como um depósito foi completamente restaurado pela comunidade muçulmana que é composta, principalmente, por imigrantes paquistaneses, bangladeshianos, indianos e guineenses.

A lotação máxima é de cerca de 50 pessoas. Segundo o atual responsável pelo local, Mansur Ibrahim, a mesquita realiza grupos de estudo do Corão e ampara os seus membros com alimentação em caso de necessidade. Não possui redes sociais, sendo a maioria da comunicação da comunidade realizada de maneira informal.

Apesar de ser uma sala bastante simples, a mesquita abraça as necessidades dos trabalhadores locais que, ao longo do dia, durante os intervalos, podem cumprir com um dos pilares da sua fé, as orações, também conhecidas como Salat, num ambiente adequado (Caraciola, 2019, p. 52).

A mesquita Masjid Gausiyah (Darul-Uloom) mantinha, até o ano de 2016, a Associação para a Educação Islâmica em Portugal, atualmente inativa. Localiza-se na rua 3 de abril de 1964, número 12A, em zona de depósitos empresariais. A mesquita foi construída num espaço originalmente comercial, tendo sido adaptada posteriormente para fins religiosos.

O responsável pelo espaço é Gulam Daud e a comunidade, tradicionalmente voltada para vertente sunita, é composta maioritariamente por homens paquistaneses, bangladeshianos e indianos. Não possui redes sociais ou página na internet.

Quando ativa, a Associação da comunidade realizava ações educativas ligadas ao islamismo. Atualmente, a mesquita é direcionada apenas para atender a procura da prática de orações diárias de trabalhadores e moradores locais.

O Centro Cultural das Colinas do Cruzeiro é um espaço muito bem cuidado, utilizado para a realização das orações prescritas, como para atividades de cultura árabe e islâmica. Localiza-se numa zona residencial, na Avenida Miguel Torga, número 14, junto da urbanização Colinas do Cruzeiro, que lhe dá o nome. Antes destinado para comércio, o local com cerca de 120m², foi reformado como uma mesquita e atualmente pode abrigar até aproximadamente 70 pessoas.

Segundo o imã responsável, Sheik Zabir Edriss, o número de membros regulares varia de 15 a 30 pessoas por dia. Bastante frequentada pela comunidade local, preserva parcerias com a Mesquita Central de Lisboa e com a Aisha Siddika, em Odivelas. Um dos grandes atrativos do espaço, que acaba por ser uma maneira de inserção na comunidade da região ao conhecimento do islamismo, são as aulas de língua árabe que podem ser frequentadas por qualquer pessoa.

Ainda segundo Zabir, os fiéis ativos são em sua maioria homens moçambicanos, indianos e portugueses. A administração do centro facilita a comunicação por meio de redes sociais, oferecendo materiais gratuitos como podcasts e vídeos. Além das celebrações religiosas islâmicas, ocorrem grupos de estudos, palestras abertas e distribuição de alimentos para a população carente.

6. A PRÁTICA RELIGIOSA

No caso da população de religião islâmica em Odivelas, aquilo que já fora notado para a área metropolitana de Lisboa em 2018, verifica-se plenamente: a taxa de participação na vida interna da comunidade é extremamente baixa: nesse inquérito de 2018 era mesmo mais baixa do que a dos católicos, 7,9% e 10%, respetivamente (Teixeira et al., 2018).

De facto, pelos dados compilados, pelos líderes religiosos relativamente aos participantes regulares nas atividades das mesquitas, chegamos a um escasso valor abaixo dos 500 membros com prática regular. Ou seja, a mesquita Masjid Muhammad reúne cerca de 50 pessoas; Aisha Siddika cerca de 250; Centro Cultural das Colinas cerca de 30; Darul Uloom sem números, mas até pela natureza pouco oficial da estrutura, o número não deverá ser elevado.

Como indicado pelos dirigentes das mesquitas, verificou-se que nas comunidades islâmicas da Amadora, de Lisboa e de Sintra é às sextas-feiras, na oração próxima do meio-dia, que se reúnem mais fiéis. Todavia, é importante ressaltar que há alguma dificuldade por parte dos muçulmanos em participar da oração das sextas-feiras, uma vez que se encontram em horário de trabalho.

Recai aqui a questão sobre o que é ser praticante. Vilaça (2013) defende que o pensamento ocidental sobre a prática de uma religião está diretamente ligado à participação em rituais coletivos. Entretanto, com a formação de novos modelos de vida e de organização religiosa, a compreensão sobre praticar ou não praticar uma religião é cada vez mais subjetiva. Segundo Moniz (2017, p. 19), isso é típico de fenómenos de individualização da crença, onde a religião institucionalizada perde relevância social. Ou seja, os indivíduos vão-se gradualmente emancipando da custódia das grandes instituições religiosas e, com isto, as prescrições normativas e compulsórias destas últimas deixam de determinar com a mesma força a espiritualidade dos indivíduos.

Assim sendo, usando a pesquisa de Teixeira (2012) como objeto de análise, Vilaça (2013) mostra como do total das pessoas autodeclaradas muçulmanas, 16,7% se definem como não praticantes; porém, quando a questão recai sobre a frequência nas atividades religiosas das mesquitas, 15,4% dos muçulmanos diz nunca ou quase nunca participar. Curiosamente, os mesmos 16,7% que se definem como não praticantes, aparecem com a resposta “nunca” quando a questão recai sobre o costume da oração – isto indica provavelmente que, na visão de mundo destes muçulmanos, a prática das orações é o que mais define a prática islâmica.

Se compararmos com os dados de outras confissões, a percentagem de muçulmanos que se declaram como praticante é consideravelmente elevada, como se pode constatar nos seguintes números: muçulmanos 83,3%; cristãos ortodoxos 23,8%; protestantes ou evangélicos 84,4%; testemunhas de Jeová 75%; outras religiões não cristãs 78,6% (Teixeira et al., 2018).

Outro elemento indicativo da prática islâmica pode ser analisado a partir da observância das restrições alimentares, como é o caso da dieta Halal. A preparação adequada dos alimentos requer exigências específicas, como, por exemplo, o tipo de carne consumida e a forma de abate. Desde o período letivo de 2021/2022, a Câmara Municipal de Odivelas em parceria com o Instituto Halal de Portugal (IHP) disponibiliza a opção de alimentação Halal na ementa escolar da rede pública. Até à data de 22 de janeiro de 2022, segundo os dados fornecidos pela Câmara Municipal de Odivelas, foram feitas 120 solicitações de adesão a este tipo de dieta.

Por fim, outra prática característica da comunidade muçulmana é o jejum do Ramadão, um dos pilares da fé islâmica. A dieta restritiva tem um impacto direto no rendimento laboral, pelo facto de os praticantes apresentarem um nível mais baixo de energia física durante esse período, o que nem sempre é compreendido pela entidade patronal (Hornung, Schwedt e Strazzeri, 2021).

7. RESIDÊNCIA E HABITAÇÃO

Seguindo Alfredo Teixeira:

“Em Portugal ainda falta uma pesquisa sobre eventuais concentrações de habitação no caso dos muçulmanos, que seria interessante realizar, porque as observações de alguns investigadores indicam a atracção por certos bairros de muçulmanos da periferia (como Odivelas e Laranjeiro) e da Baixa (por exemplo, Mouraria)” (Teixeira, 2012, p. 287).

A formação de concentrações de habitação dá-se por uma miríade de motivos, mormente de carácter económico. O primeiro fluxo migratório de um determinado grupo étnico-linguístico que imigra para Portuga à procura de melhores condições de vid estabelece-se em zonas residenciais com arrendamentos mais baixos e, portanto, socialmente mais desfavorecidos. Com efeito, tendem a concentrar-se maioritariamente em áreas metropolitanas, cosmopolitas e com maior oferta de trabalho, sendo Odivelas um exemplo disso. É nesse locais que abrem os seus pequenos comércios e estabelecem lugares de culto, temporários, para uso da comunidade. Estes lugares tendem a ser melhorados com o tempo e a tornarem-se mais oficiais e públicos. As sucessivas ondas de imigração desses mesmos grupos étnico-linguísticos, em grande parte familiares ou com relações de proximidade com os primeiros, tendem a estabelecer-se nas mesmas zonas, onde o resto da comunidade já se encontra relativamente organizada e integrada.

Vale frisar que um dos aspectos mais importantes da organização social das comunidades muçulmanas, o qual reverbera na base da crença islâmica, é a valorização da comunidade, chamada nesta cosmovisão de Ummah. Deste modo, os membros muçulmanos têm o bem-estar da comunidade como sendo mais importante do que o individual (Martins e Torres, 2022).

Outros grupos étnicos-linguísticos de origem diferente, que chegam a Portugal em condições semelhantes, acabam por encontrar nessas mesmas zonas habitacionais, para além de rendas acessíveis, locais de culto e comunidades já organizadas que poderão frequentar. Este fenómeno faz com que se encontrem nestes locais de culto, originalmente associados a um determinado grupo étnico-linguístico, com o tempo, outros grupos de origem diferente. Esta diversidade não está isenta de problemas. O Islão não é uniforme e desenvolveu em cada uma das culturas em que floresceu tradições, costumes e práticas próprias, tanto mais diferentes quanto pertencerem à religião popular. Por isso, ainda que estas concentrações de habitação e locais de culto apresentem com o tempo maior diversidade, tende a existir sempre uma cultura e um grupo étnico-linguístico dominante, normalmente o primeiro a estabelecer-se, e que determina algumas peculiaridades do serviço religioso e da dinâmica da comunidade.

No município de Odivelas, pela localização geográfica dos locais de culto, pode-se constatar uma concentração da comunidade muçulmana na parte oriental do município, particularmente, na freguesia de Odivelas e de Póvoa de Santo Adrião.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS: DAS MOBILIDADES PÓS-COLONIAIS À RECOMPOSIÇÃO DA MEMÓRIA

Em Portugal, como noutras sociedades europeias, a implantação recente de comunidades de muçulmanos, num contexto de pluralismo social e político, transporta e pode até favorecer a afirmação das diversidades interiores ao Islão. Vakil (2003, p. 15) recorda como tradições asiáticas com diversidade de opiniões se encontram em Portugal, dando oportunidade à reabilitação de conflito entre correntes que valorizam o que se poderia chamar de “religiosidade popular”.

No caso dos muçulmanos residentes em Odivelas, essas diferenças conduziram à constituição de dois dinamismos comunitários e organizacionais autónomos. O Islão na sociedade portuguesa é um Islão de diáspora, resultante de diferentes práticas culturais num novo contexto de minoria religiosa. Na observação deste Islão português emergente, o olhar desloca-se “do outro para o diverso”, assumindo as diversas escalas da diversificação da identidade islâmica em Portugal: o Islão institucional e normativo e o Islão popular que deriva das tradições dos diversos grupos étnico-linguísticos.

Apesar de a maioria dos muçulmanos de Odivelas seguirem o Islão sunita, podemos encontrar dois grandes grupos no seu seio, fruto de diferentes ondas de imigração e circunstâncias históricas. Por um lado, temos o grupo mais antigo, constituído maioritariamente por portugueses, moçambicanos, guineenses e indianos, fruto das mobilidades pós-coloniais; por outro, o fluxo migratório mais recente, composto por muçulmanos provenientes do Bangladesh e Paquistão que, desde 1986, até aos dias de hoje, permanece ativo. Estes dois grupos são provenientes de contextos sociorreligiosos muito diferentes, com práticas e línguas de culto diversas, fazendo com que estes últimos prefiram congregar-se em locais de culto próprios, autónomos dos primeiros.

Se o primeiro grupo, quer pela proximidade histórico-cultural das suas raízes, quer pelo tempo de estabelecimento em Portugal, está mais enquadrado naquilo que seria um Islão português emergente; o segundo grupo conserva ainda, de modo integral, o Islão tal e qual é vivido nos seus países de origem, quer pelo facto de ser uma imigração mais recente, como pelo facto de serem comunidades culturais mais distantes da portuguesa. Esta distância cultural e linguística tende a perpetuar o isolacionismo social deste grupo, diminuindo as possibilidades de casamentos mistos com pessoas fora da comunidade, ainda que muçulmanas, e a ulterior integração na sociedade portuguesa. Na maioria dos casos, as pessoas deste segundo grupo estão em Portugal temporariamente, tendo em vista outros destinos europeus, o que não favorece os processos de integração da comunidade que se dão a médio e longo prazo.

Por isso, este segundo grupo, ainda que acentue a diversidade religiosa existente em Portugal, dificilmente deixará uma marca na identidade islâmica portuguesa emergente.

Em conversa com o líder do Centro Cultural das Colinas do Cruzeiro, uma das mais representativas do município de Odivelas, Sheik Zabir Edriss, pudemos apurar alguns dados referentes a esta comunidade. Por exemplo, as crianças começam a frequentar a mesquita aos quatro anos de idade e recebem educação religiosa até aos quinze anos, altura em que começam a estar inseridos nos programas de voluntariado da comunidade, como o auxílio aos idosos. Esta educação é ministrada por professores formados no Colégio Islâmico de Palmela, lugar onde, durante cinco anos, aprendem disciplinas teológicas e a língua árabe.

Em relação aos casamentos, a tendência das famílias da comunidade aproxima-se da realidade envolvente: redução do número de casamentos, aumento do número de divórcios e redução do número de filhos. No entanto, existem alguns preceitos que são conservados: uma taxa reduzida de casamentos mistos e a exigência da conversão por parte dos homens que queiram casar-se com mulheres muçulmanas. O casamento entre pessoas do mesmo sexo não é aceite na comunidade. Na verdade, este é um tema tabu que chega a dificultar o acesso destas pessoas a cargos de direção.

Nos últimos tempos, a comunidade tem vindo a aderir às novas tecnologias: Facebook, Instagram, Youtube e Website. Destacam-se ainda as transmissões ao vivo regulares e a disponibilização de podcasts sobre a língua e a cultura árabe.

9. BIBLIOGRAFIA

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Vilaça, H. (2013). Novas paisagens religiosas em Portugal: do centro às margens. Didaskalia, 43(1-2), 81-114. https://doi.org/10.34632/didaskalia.

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